sábado, 1 de dezembro de 2007

O FRASCO DAS VINTE AGULHAS





Numa reentrância de Gaia jaz o pequeno frasco transparente. As agulhas, acondicionadas como chineses em seus distritos, ou como uma cultura de bactérias in vitro, respiram . Moléculas de oxigênio movimentam-se , espremidas umas contra as outras, banhando-as no recipiente: nano câmara hiperbárica.
Augusto dos Anjos se revira entre vermes, estupefato, diante das unidades léxicas que poderiam ter saído de seu putrefato cérebro. Estupefato, putrefato, as palavras traiçoeiramente arrogam a si mesmas a atenção do leitor, escandalosas como pavões multissilábicos à revelia do contexto.
Mas as agulhas...ah...as agulhas. Cientes de seu espetar inconsciente. Intuitivas porém capazes de cravar dogmas. Títeres anoréxicos com poder concentrado: do macrocosmo da reentrância de Gaia ao microcosmo dos meridianos. Travessia, aprofundamento, o coser dos paralelos, das multiplicidades.
Inicia-se a viagem.
O rosto é sempre o mesmo rosto. A pegada nem sempre é a mesma pegada. Pegadas voláteis, táteis, dissolvidas no éter. Que éter? O etéreo, aquele de algum hemisfério conturbado. A dança simbiótica do corpo na vertical, e o corpo na horizontal. As agulhas clamam, escapam, oxigenadas pelo condão da função. Dardos enfeitiçados na luz própria da intenção alquímica do verso.
Verso? Reverso? Dorso? Tarso? Metatarso? Meta linguagem, meta-se a cura através da aninhagem do toque no ponto. E pronto.
Penumbra.
Desdobramento.
Dormitam as conexões em suspensão...os órgãos acolhem o impulso, pulsa o pulso em alfa. Ansiedade básica; escorrem as impurezas pelo pé da mesa, da cama, no chão, anjo da morte que tinge a porta do recinto. Morte? Minto...Sorte: serpente do labirinto.
Estado de semi consciência, passeiam escaravelhos espantando os maus espíritos entalhados nas paredes frias, impessoais. Quantos gemidos, alguns ais, a intimidade encapsulada em containers assepticos, insípidos, inodoros e incolores.
Entra o xamã.
Aperta o play, finda-se a pausa. O fluxo retoma seu atávico curso, moléculas , átomos, esferas, tudo volta à dança primeira . Uma nova cena recomeçará, esforço sobre humano , insano, multidimensional. Editada pelo cotidiano:

cada dia uma viagem astral.


Maria Fernanda Laurito
Julho/2007

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