terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A FACE DE UM DEUS QUALQUER E O FUNDO DA CAVERNA




Quase tudo são sombras em Ogrolândia.

Saio para dar uma volta, parando aqui e acolá para recolher impressões. Esbarram em mim seres doentes do corpo, do espírito, do intelecto. Há um único verbo impresso no código milenar da língua: RECLAMAR. Reclama-se das mazelas físicas, das depressões, de filhos, maridos amigos, políticas, dos outros. E nas faces, - aquelas que seriam a imagem e semelhança desse deus judeu da guerra que a bíblia vende, - um ar sinistro de rancor e desilusão. Deus deve ser pessimista, revanchista e feio. E também reclama-se dele. Cobra-se. Acusa-se. Gente acostumada a freqüentar templos e que nada aprende, nada percebe do essencial da existência.
As pessoas movem-se na escuridão, como se vivessem no fundo da caverna. O único ruído vem do roçar das asas dos morcegos. O breu assume inúmeras formas: pode-se encontrar amigos de infância empinando o nariz, ou por acharem-se importantérrimos em suas funções aldeãs, ou por terem ficado amigos do Ogro Mór e seu séqüito. Pode-se receber uma resposta seca ao telefone ao se pedir uma informação, como se a Ogra- Li do outro lado pudesse vislumbrar o riso que provoca com seu estilo mastodonte e sem educação. O reino de Ogrolândia , está em metamorfose.

Há explicaçãoes pra isso?
Of course, dears! (Claro que sim). Orolândia jaz circundada por montes. Geograficamente, portanto, está na categoria dos vales. Já dizia um sábio: a montanha separa. O reino vive, pois, à parte do mundo. Como um Shan-gri-lá às avessas. Shan-gri-lá, porém, tinha uma vasta biblioteca, e seus moradores sabiam deleitar-se com a essência do espírito humano e suas criações. Entupiam os olhos de belezas e a mente de preciosidades. E o seu viver era uma elegância só. O requinte da existência profícua e abundante.
Ogrolândia faz o caminho inverso: a balbúrdia pirotécnica freqüente dos rojões, parece querer anunciar aos quatro ventos: aqui falta cultura, falta leitura, faltam discussões brilhantes, idéias reconfortantes, espaços de crescimento interior...mas temos baldes de crianças de recuperação na escola(catastrófico), temos pão cascudo, circo armado , galpão de recreação e outras cositas más, e cultos, é claro, pra todos os gostos, de todos os sabores. É claro que o perfil de Ogrolândia é perfeito para as grandes reflexões religiosas. Mais que perfeito.

Saí para dar uma volta. E voltei matutando. A percepção do alto do castelo, de dentro do mosteiro, se confirma quando se sai à rua. Mas quando a atmosfera está densa demais, há que se esperar o temporal. Quem sabe, depois da terra arrasada, da chuva que lava, do afogamento, sementes de mostarda brotem...na caverna de um deus sem face.


Maria Fernanda

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