domingo, 11 de novembro de 2007

A TASCA DA MARIA MORCEGA





Tasca quer dizer botequim.

E era uma vez Maria Morcega. Vivia num lugar muito interessante: mistura de paraíso e fim do mundo. Maria Morcega tinha uma pequena taverna de aldeia, algo assim como um recanto, onde se abrigavam peregrinos para descansar após longas jornadas. A energia do lugar e suas peculiaridades, sons de passarinhos e cheiros de especiarias, acalmavam os viajantes.
Porém (e sempre há um porém) Maria Morcega tinha um traço de caráter peculiar: via o mundo de ponta cabeça. Portanto era de uma lucidez irretocável. Sob sua ótica, a lógica com a qual todos os seres estão acostumados simplesmente se invertia. O planeta da Maria era livre de todos os rótulos impostos desde sempre. Sua visão da vida representava um conceito novo de enxergar as coisas. Novo? Não era novo...o conceito era apenas desconhecido, “invisível” aos comuns mortais. Sempre estivera por aí e no mundo doido de agora, brotava dos confins da obscuridade e mostrava-se prenhe de possibilidades. Um conceito grávido de padrões possíveis, todinho à mostra. Em outras palavras: A Morcega entendia que nem tudo é como se vê, mas quase tudo pode ser como a mente deseja. A realidade é uma brincadeira de massinha, uma bobagem pra não se levar a sério com tanta ênfase e burrice como se observa por todo lado.

Maria Morcega sabia que existiam outros como ela e até já tivera a oportunidade de conhecer alguns: viandantes de passagem, que vindos de lugares distantes lhe diziam “neste século em que estamos, muitas coisas já perderam a razão de ser...o mundo manifesta-se mais veloz, mais complexo, e saber pensar sobre isto é a chave que abre muitos caminhos”... Estes “comparsas”, cúmplices nos mesmos universos paralelos, seres com olhos esbugalhados no meio da testa, formavam com Maria Morcega o clube dos que estão atacados de lucidez perplexa.

Já os comuns mortais, principalmente os aldeãos, por ironia os que enxergavam com dois olhos em plena luz do dia, encontravam-se irremediavelmente cegos. Também freqüentavam a Tasca falando sobre amenidades como “será que o Corintians vai ser rebaixado? “ ou “ se Deus quiser encontro minha alma gêmea” , observações tratadas como os mais profundos e significativos postulados filosóficos. Perdiam-se em divagações horizontais surfando na casca da serpente, enquanto no fundo da Tasca, as ondas eram vibracionais e o povo de um olho só, pendurado no batente das portas pra outras dimensões, despregava-se aos poucos e voava na crista do Dragão .

São existências paralelas a de Maria Morcega e seu bando e a dos comuns mortais e sua legião. Não há mais, nem menos. Alto nem baixo. Claro ou escuro. Melhor ou pior. Pólos apenas, magnetizados...um conduzindo a ilusão do que já ficou pra trás; o outro atônito diante das incertezas que tornam certo que tudo mudou de aspecto. Vetores da novidade milenar instalada. Assim seja.


Maria Fernanda Laurito

Um comentário:

Ubiratã Souza disse...

Nossa, eu já havia lido este texto!!!!!!!

Veja só, acompanho seu trabalho!!!!!